quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Lolita NÃO é uma história de amor

Olá meus fantasminhas!

Ela usa batom vermelho, é apaixonada por doces e gosta de revistas em quadrinhos. Também foi molestada pelo padastro durante a infância e a adolescência, mas isso raramente é levado em consideração.

Quem conta a história é Humbert Humbert, o narrador europeu de 40 anos de idade que vai para os Estados Unidos após se separar da sua mulher. Ele aluga um quarto na casa de Charlotte Haze, uma viúva e mãe solteira de uma garotinha de 12 anos, Dolores Haze – uma ninfeta, segundo Humbert.
Isso dificilmente soa como uma bela história de amor, não?

Significado de ninfeta: “Adolescente com a delicadeza de uma jovem, mas com a sensualidade de uma mulher.”


A edição que eu tenho em casa

“Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.”

Ele está na prisão, e começa a contar toda a aventura amorosa, erótica e obsessiva que viveu com sua Lolita. O livro foi adaptado duas vezes para o cinema e se tornou um clássico, porém, é uma daquelas obras em que o público não absorve a mensagem do autor, e acaba entendendo o contrário.

É preciso parar de romantizar Lolita.
Não é uma história de amor.
Não é um romance.
Não é bonito.

 Vladimir Nabokov:




O autor foi muito claro em vários momentos em que foi questionado sobre isso, que o livro é narrado por um homem terrível, chamado Humbert Humbert. De maneira nenhuma Nabokov se introduz como narrador da história, e afirma que “Humbert era um miserável, vaidoso e pedófilo que morreu na prisão por assassinato e violação estatutária.”






Humbert Humbert:

Nas palavras do próprio criador do personagem, este é um homem miserável, vaidoso e pedófilo que morreu na prisão por assassinato e violação estatutária. Além disso, é um narrador 0% confiável. As páginas do livro são ricas em vocabulário e nosso narrador se descreve como um verdadeiro apaixonado, romântico e manipulado – veja bem, um homem de 40 anos manipulado por uma criança – por Lolita. Ele se casa com sua mãe para se manter perto da menina, mas seus dias de adoração e obsessão duram pouco, pois a esposa morre num terrível acidente de carro.
OBS: A mãe era tudo o que Dolores tinha no mundo, e ainda assim, era uma mulher extremamente fria e despreocupada com o bem-estar da menina

É a partir daí que Humbert inicia sua jornada. Sob o seu ponto de vista, uma criança de 12 anos é mais sedutora, manipuladora e sagaz que qualquer femme fatale que tenha habitado as ficções. A história é, basicamente, centrada nele, em suas projeções e fantasias pedófilas – e o homem é tão manipulador, que conseguiu fazer com que milhares de leitores acreditassem que ele era um apaixonado que só queria ser e fazer sua “amada” feliz.

Dolores Haze:

A primeira coisa que você precisa ter em mente quando pensar nesta personagem é que Dolores e Lolita são, na verdade, duas meninas completamente diferentes com a mesma feição. “Lolita” nada mais é do que uma fantasia da mente pedófila de Humbert. Ela é chamada de Lô, Lola, Dolly… Mas nunca de Lolita. Dolores é uma menina órfã de 12 anos, que após a morte repentina da mãe, se obriga a viver sob a tutela do padrasto que mal conhece – padrasto esse que abusa sexual e psicologicamente dela, que não tem mais ninguém no mundo para abrigá-la.


Preste atenção em alguns pontos que Nabokov fez o narrador "deixar escapar" em sua obra:

  • Dolores chorava até dormir TODAS as noites. Nos comentários essa parte foi questionada, mas é real, pois no final do capítulo 3, Humbert detalha “E ela chorava todas as noites tão logo eu fingia estar dormindo […]”
  • Ela não correspondeu aos sentimentos de Humbert da maneira que ele desejou, na verdade, ela suportou o que ele fez com ela, mas sem prazer nenhum.
  • Humbert reconheceu que ela ficou com ele somente porque não tem para onde ir.
  • O final de Lolita mostra o quanto a mente de Humbert era doente. Quando ele encontra Dolores mais velha, grávida e passando por sérios problemas, seus pensamentos focam no quanto ela cresceu e como está menos atraente.
  • Humbert não sabe disso, porque está escrevendo na prisão, mas no prefácio do livro diz que Dolores morreu aos 19 anos, dando a luz a um bebê natimorto – provavelmente um dos resultados dos anos de abuso sexual que sofreu nas mãos de Humbert.



Dolores Haze, vítima das fantasias e obsessões de um estranho de 40 anos que passou a morar em sua casa de repente, e ser extremamente educado, gentil, e por que não carinhoso? Sua mãe a odiava (a descrevia como impulsiva, pirracenta, mal-educada e infantil) e não conhecia o pai, Humbert se aproveitou não só da carência afetiva como da falta da figura paterna para se aproximar e abusar de Dolores. O fato dela ser demonizada no livro tem muito a ver com nosso narrador – como já dito, a história é basicamente centrada nele. É só prestar atenção para perceber que Dolores tem, sim, personalidade, mas não tem voz nem vez na história, já que para Humbert ela é apenas o seu objeto de adoração e desejo.
Lolita em si não é importante. Ela serve apenas para provocar sensações em Humbert. O desejo sexual de Humbert é mais importante do que a integridade física e psicológica da menina. Não se pode dizer não a um homem apaixonado, mesmo que seu objeto de afeto seja uma criança orfã.


Perante o amor do herói romântico tudo é justificável, seja sequestro, abuso sexual, violência doméstica ou assassinato. Adrian Lyne constrói o filme baseado no livro em 1997 de tal forma que o que choca a plateia não é a pedofilia, e sim a sexualidade manifestada por Dolores e a rejeição de Humbert.

Alguém aí pode argumentar que uma adaptação cinematográfica não tem obrigação de corresponder à obra original. Nenhum filme existe no vácuo. Qualquer produção está sujeita a valores culturais e ao mesmo tempo tem o poder de influenciá-los. O diretor, quando seleciona o que será mostrado ou não e de que forma isso ocorrerá, está inevitavelmente construindo um discurso. E tem total responsabilidade sobre o que produz.

Ao omitir o estupro e a violência de Humbert sobre Lolita, ele afirma que esses episódios são irrelevantes para a construção da história. Em Lolita de 1997, o desejo masculino é mais importante e digno de ser contado do que a violação e a tortura psicológica de uma pré-adolescente. Humanizar o molestador não significa redimi-lo: é nessa tenuidade que Lyne e os entusiastas das ninfetas se confundem.


Moral da história: Lolita é um livro fantástico e que vale a leitura, mas não uma leitura superficial. Esse tipo de obra é preciso entender a mensagem que é deixada nas entrelinhas em vez de engolir tudo o que o narrador lhe fornece. É acima de tudo uma reflexão, e vem provando, desde os anos 50, o quanto as crianças e adolescentes estão vulneráveis e desprotegidos nas mãos dos adultos. Se por um lado há o abusador, que se vê como apaixonado e protetor, pelo outro temos o restante da sociedade, apontando para a vítima como menina corrupta que se aproveita dos sentimentos de um pobre homem que quer sua felicidade.

Espero que tenham gostado
CarinaFilth

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